Coluna do Luan

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Um dia depois do outro


Sentados na praia, ela confessa sua saudade:
- Estou feliz em te ver...
- É... Eu também.
- Depois de tanto tempo, né?
- Pois é.
- O que houve?
- Esse é o problema, não houve.
Ela olha para o lado, sente a areia da praia levemente tocar seus olhos, os fecha e deixa escorrer uma lágrima. Ainda um pouco apreensiva, ela exclama com o canto da boca:
- Eu sabia que esse dia chegaria...
Agora é ele quem olha para o lado, sente o vento respaldá-lo, coloca seu braço sobre o ombro dela e fala com a voz calma, porém mortífera:
- Há sempre um dia depois do outro.


De começo ela não havia entendido o que ele quis dizer. Depois dessa frase Afonso levantou-se em partes; primeiro retirou seu braço do ombro dela, depois se ajoelhou, beijou-lhe a testa, e por fim levantou-se. Renata olhava Afonso se afastar dela, em segundos ele já era uma miragem no horizonte daquela praia deserta. Em questões de minutos Renata já não o via mais. Afonso foi embora, e talvez para nunca mais voltar, pensou. Ela também ponderou sobre a frase de Afonso: “Há sempre um dia depois do outro.” – O que será que ele quis dizer com isso? Renata não encontrava resposta para si mesma havia anos, quanto mais para as frases enigmáticas e prosaicas de Afonso. Ela permaneceu mais dez minutos sentada na areia esperando que o vento levasse sua tristeza embora, esperando que o cheiro do mar levasse a si embora. Renata, então, se levantou, caminhou até a beirada, sentiu a água tocar seus pés, e disse a si mesma com uma entonação de pecadora: Que belo fim seria se eu me matasse agora. Por um instante tudo pára, ela apenas se orienta pela audição. Com as pálpebras fechadas, o que ela mais quer é sentir o mundo, sentir a realidade do cotidiano contra sua forma fictícia de amar e viver. “Eu perdi o Afonso”. “O perdi para todo o sempre.”


Era dez e vinte e dois quando Afonso acordara suado e com a respiração ofegante: Cristo! Estou atrasado! Vestiu a primeira bermuda que viu pela frente, colocou sua clássica regata branca de salva-vidas mirim e desceu as escadas se tropeçando até chamar atenção da mãe:
- Que isso, Afonso! Aonde tu vai com essa pressa?
Ele olha firme para a mãe e sem hesitar responde:
- Vou encontrar o amor da minha vida.
Saiu batendo a porta, e já no outro lado da rua ouviu a polêmica frase do pai dos anos modernos:
- Use camisinha!


Afonso não deu bola para o comentário impertinente e gozador de seu pai. Até porque seu pai sabia que hoje Afonso ficou de se encontrar com Renata às 10h30min na orla dos pescadores. Aliás, Garotas de 16 anos detestam esperar, são impacientes, um minuto de atraso e elas já pensam bobagens do tipo que ‘ele não me ama mais’, ou ‘ele não quer me ver’. No entanto, Afonso tinha a certeza incontestável de que naquela manhã ele voltaria a sentir os lábios macios de Renata. Estava louco para vê-la, foi então que lembrou de seu sonho, ou pesadelo. Não faz sentido, nunca deixaria Renata, disse a si mesmo. Caminhou ligeiramente os dois quilômetros que distanciavam sua casa do ponto de encontro com Renata. A enxergou lívida, de pé na beira da praia com os olhos fechados girando em torno de si mesma. Ele grita euforicamente:
- Renata!
Ela parece não ouvi-lo, ele faz uma segunda e inútil tentativa:
- Renata!


Não restava outra hipótese senão ir até onde o corpo de Renata se movia sobre a água salgada. Renata parecia estar em transe, hipnotizada. Afonso apenas cutuca o ombro esquerdo dela, Renata se vira, e ainda de olhos fechados o beija. Foi uma troca de salivas longa e contínua, durou cerca de um minuto. E nisso Afonso tinha razão, ele realmente voltou a sentir os doces lábios de Renata. Mas quase que efêmero, o sabor doce ao qual ele tanto almejava já não era mais o mesmo. Ainda se beijando, Renata retira do bolso de seu short uma carta que guardou durante uns dois anos, apenas esperava o momento certo. E o momento chegou.


No dia anterior Renata relembrou dos velhos amigos, namorados, e inevitavelmente de Afonso. Tiveram um caso na época de pré-adolescentes. Ela também lembrou da carta que escrevera na noite em que Afonso, bêbado, a chamou de vadia, burra e ignorante. Afonso não sabia o que estava fazendo naquela noite, no auge dos seus 16 anos, abusou do álcool e resolveu falar alguns palavrões para a única garota, e futuramente mulher, que o amava de verdade. Renata se sentiu um lixo quando ouviu da boca de Afonso as palavras que ofendem a índole de qualquer mulher que se preze. Isso a magoou profundamente, tão profundamente que sobrou inspiração para escrever uma carta de despedida.


Em meio aquela nostalgia do dia anterior, Renata ligou para Afonso com a finalidade de marcar um encontro, depois de dois anos. Ao telefone Afonso quase chorou ao escutar a voz amadurecida de Renata, no fundo ele ainda a amava, mesmo não sabendo.
Na praia, ao sentir a carta entre as mãos, Afonso pára de beijar Renata. Ela o encara perante alguns segundos e diz:
- Há sempre um dia depois do outro.
Ela vai embora, lentamente caminhando sobre a água salgada. Ele sem entender nada, senta na areia úmida e abre o envelope da carta enquanto Renata torna-se uma miragem desaparecendo no horizonte daquela praia deserta, que agora era ácida, mordaz, fulminante.
Ele lê a carta, olha a data e se surpreende. Nem lembrava mais da noite em que dissera as cruéis palavras a Renata. Mas ela... ah, ela jamais esqueceu:


"Meu amado, Afonso. Sei que ao receber essa carta você me encontrará em uma praia deserta, dando voltas em torno de mim mesma sobre a água do mar. E neste exato momento estarei pensando de como eu poderia justificar todo o meu sofrimento. Suas palavras arderam no meu coração como uma pedra tutelável. Não há razões para fazer o que tem feito comigo. Já me abri para você, me declarei a você, já lhe disse o quanto lhe amo, o quanto é importante para minha vida. Mas depois dessa noite, não tenho mais certeza de meus sentimentos, de meu mundo. Acho que suas palavras fortes, cruéis, vindas de um garoto imaturo, tornaram a abrir meus olhos para a realidade de suas intenções. Hoje eu completei 14 anos, Afonso. E provavelmente, no dia que ler essa carta, será o dia de meu aniversário novamente. Mas você não lembrará, vai seguir seus impulsos primitivos, querendo me beijar e apertar minha bunda como sempre fez. Você só me usa, Afonso. Já passou da hora de você crescer, é uma pena que seja tarde. E no dia em que tiver lendo essa carta, eu estarei lhe usando da mesma forma que fez comigo. Não será vingança, apenas ironia do destino. Só quero que saiba que eu lhe amei de verdade, porém não acredito mais em conto de fadas. Já estou pronta para ser mulher, apenas quero seguir minha vida, agora sem você junto comigo. Também sei que quando ler essa carta você já terá madurecido até certo ponto, não sei se o bastante. Mas será que isso ainda importa? Talvez eu não seja mais a mesma. Um beijo de quem um dia já foi sua. ASS: Renata."


Afonso ficou imóvel durante muito tempo. Viu o pôr do sol sozinho, melancólico. Nunca imaginou que uma bebida pudesse atrapalhar tanto a sua vida. Uma bebida ingerida há exatamente dois anos. Mas como Renata disse, há sempre um dia após o outro. Na vida, todo e qualquer ato da menor insignificância que seja gera conseqüências. Foi então que Afonso lembrou do sonho, e descobriu que não foi Renata que havia o perdido, mas sim ele que a perdeu. Após oito horas sentado naquela areia úmida e gelada, ele se levanta e num suspiro diz em voz alta:
- Por isso que falam que os sonhos vêm ao inverso. Talvez seja a hora de mudar, é justo.

2 comentários:

Marcos Seiter disse...

Irmão, como eu estou sem PC em casa, passei aqui rapidinhi pra ler este e o pnúltimo post teu.

Abs e até logo!


Marcos Ster

Anônimo disse...

Sou a favor de um pé na bunda bem dado nas nádegas de muleques imaturos.
Urra!