Coluna do Luan

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Elisabeth

O mundo parecia um tribal venezuelano, só faltava o Chávez dependurando em uma pêndula de ouro recitando poemas psudo-socialistas. A tarde estava escura em Caracas quando decidi fazer algo romântico. Comprei um envelope e algumas rosas. A destinatária? Não sei ao certo. Poderia ser a russa que me espreitava através da porta de uma loja de roupas baratas. Ou então, a espanhola exibicionista fã de Karl Marx. Tinha ainda a americana de seios fartos que era fugitiva da gestão Bush. Todas representantes do sex in cash. Dizem por aí que a Colômbia é o país campeão na América do Sul quando o assunto é prostituição. Mas a Venezuela ganha. Nas avenidas oriundas de Caracas se enxerga a demagogia de um governo de princípios ditatoriais, vê-se a ideologia Chavista plantando cenouras de dólares enferrujados nos crânios dos burgueses capitalistas. O dia estava pouco comum com nuvens sobre minha cabeça e prostíbulos ao meu redor. As rosas enfeitavam minha enorme mão, o envelope vazio, metaforicamente buscava uma alma para preenchê-lo. Caminhei alguns metros até encontrar Angenor, saltitante como grilo. Angenor, carioca da gema, pediu-me alguns dólares trocados. Alertei-o que estávamos em território Chavista. Então Angenor lembrou da época em que a Venezuela fora mais pragmática consigo mesma. Lembrou-se de Noelma, a esposa que o abandonou em plena Copacabana. “Ela me deixou na frente de todos, tinha mulher de fio-dental lá”. Angenor sempre foi apaixonado por mulheres que ausentavam vestimentas. Veio parar em Caracas por acaso, tomou o vôo errado e virou cafetão. Esse é o resumo de sua história. Pedi a ele a mais branquinha de todas, “tem que iluminar minha alma”, disse. Angenor havia me prometido uma inglesa de seios moderados, com ares franceses. Veio à Venezuela com fins acadêmicos, estudar o governo, acabou se prostituindo com a morte de seu pai na Inglaterra e com a falta de dinheiro para sair do país cognitivamente socialista. O nome da garota era Elisabeth. Bem original. Acabei cedendo alguns dólares a Angenor em troca de prazer carnal.

Elizabeth falava um péssimo e arranhado espanhol, o sotaque inglês deixava seus lábios ainda mais carnudos. Pedi a ela que se livrasse dos verbos e fizesse o que tinha que ser feito: Sexo. Nada mais. Entreguei o envelope e ela colocou um anel com o se nome gravado. Jogou o envelope no chão e pediu que eu o levasse depois do ato. Durou pouco. Uma hora e meia. Ergui minhas calças como um velho comunista chavão da década de 50. Juntei o envelope e o coloquei no bolso esquerdo de minha calça. Deixei 300 dólares sobre a cômoda e fui embora.

Cheguei em casa cansado, ainda com as rosas e com o envelope. Eu sabia que dentro havia um anel com o nome de Elizabeth escrito. Quando o abri me deparei com os 300 dólares que eu designara a Elisabeth e um bilhete escrito a punho em um deteriorante espanhol, algo como: “No queiro dinero, quiero solamente amor”. Elisabeth havia se declarado a mim como uma donzela sem dono, ao relento. Submetendo-se à maré social. Liguei imediatamente para Angenor e pedi o contado de Elisabeth. Angenor demorou a explicar que ela não tinha telefone, não tinha casa, não tinha nada. Para Angenor, era apenas uma vagina lucrativa.

Sai para caminhar um pouco e refletir sobre as palavras de Elisabeth que não era uma prostituta qualquer, jovem, da alta classe inglesa... Lembrei-me da época em que eu morei em Londres, antes de voltar para o Brasil, havia conhecido uma garota por quem me apaixonei. Não sabia seu nome, mas lembrava de seus olhos, apimentados e grandes. Sedutores. A garota sumiu de minha vida, foi estudar distante de Londres. Voltei ao Rio com o coração partido, minha primeira dor de amor na adolescência. Anos mais tarde eu me mudaria para Caracas, trabalharia de repórter em um jornal local ganhando um salário equivalente a de um diretor de redação no Brasil. Aqui as coisas são mais fáceis. O Chávez complica um pouco, quer nos calar, mas ele no fundo não consegue. Não chega nem perto do que foi a ditadura militar brasileira. Sei, porque estudei. As vidas nos levam a tantos acasos... Agora quanto a Elisabeth é mesmo intrigante.

Surpreendentemente eu a vi, há duas quadras de meu prédio. Ela estava lívida, e com uma expressão incrivelmente boçal disse-me: I love you... Em perfeito e bom inglês britânico. O sotaque era o mesmo que eu havia escutado anos antes, quando residia em Londres. Descobri seu nome. E ela me descobriu. Não veio para pesquisar sobre o governo e sim sobre mim. De como eu vivia minha vida... Caí direitinho no seu golpe de prostituta... Na surpresa eu me entreguei, subimos ao meu apartamento e fizemos amor, sexo é para os fracos. Eu fora um fraco, queria encontrar nas outras o que não havia saciado em Elizabeth anos atrás. A saciei carnalmente sem saber que era ela, agora deveria me entregar de maneira verdadeira. A história poderia acabar aqui com um final feliz, em meio a ardente Venezuela.

Elizabeth tirou de mim todo o ódio que eu tinha quanto ao amor, e me entregou de bandeja sensações que eu não experimentava há anos. Ela sabia do meu labirinto carnal, do qual eu negligenciava, dizendo pertencer a minha essência de mau caráter. Elizabeth me devolveu a inocência que eu havia perdido diante de situações incisas de meu governo e de minha família. Eu era um fugitivo da vida. Elisabeth levou as rosas, as roupas, todo o meu dinheiro, e alguns objetos culturais que eu mantinha em casa. Acordei sem nada, um tostão. Mas o envelope estava ao lado, com os trezentos dólares, o anel e uma carta escrita em bom português. Angenor assentava: “Estou saindo da Venezuela com seu dinheiro e com sua mulher, que, aliás, sempre foi minha”.

Não era a primeira vez. Reconstruí minha vida da mesma forma, e para mim, o envelope continua vazio. Se alma, sem nada.