Coluna do Luan

sábado, 2 de agosto de 2008

O pistoleiro das causas nobres


Saltei do ônibus com a esperança de poder alcançá-la. Silvana corria feito louca pelo calçadão central e não sabia exatamente onde queria chegar. Naquele momento, tudo que passava por sua cabeça era fugir do monstro que a perseguia. Neste caso, eu. Não precisei alongar meus passos. Durante sua vida inteira, Silvana agiu como uma perdida. Foi assim com Romeu, seu antigo namorado. Lembro-me de Romeu dando-lhe tapas no rosto. Ela gritava. Ele a agredia cada vez mais. A cada sussurro de Silvana, Romeu rebatia com tapas, socos, chutes e o que alegava ter direito. Silvana, mulher submissa, após sofrer as agressões se deitava nua sobre a cama de lençóis rosa e se escarnecia. No fundo, Silvana quisera ser como uma rosa; cheirosa, cheia de brilho, almejada pelos rapazotes que praticavam o ato do romantismo para conquistar a garota amada. Por um segundo, Silvana quis ser uma mulher amada, idolatrada, com um homem à sua altura. Mas em trinta e sete anos, tudo que ela soube administrar foram relacionamentos superficiais.

Conheci Silvana no colegial, era bela, mas com o passar dos anos tornou-se patética. Um rebotalho ambulante. Andava na penumbra. O único homem por quem se apaixonou fora Romeu. Um comerciante barato de olhos azuis e cabelos loiros. Ele tinha uma loja na galeria do parque, vendia instrumentos musicais. E só. Nunca teve perspectiva de vida. Para Romeu, bastava encontrar sua Julieta. Engano seu acreditar que encontraria em Silvana a sua realização pessoal. Encontrou foi um saco de pancadas. Até hoje não compreendo os motivos reais que levaram Romeu a espancar Silvana. Seria um fetiche? Não importa. Nesse instante eu a vejo escorada em uma parede mal acabada do prédio da biblioteca pública, chorando aos prantos. Detesto mulher submissa. Eu não agüentava presenciar aquelas situações de violência doméstica. E agora ela chora por temor. Será que ela sabe o que irei dizer? E como procederei após minhas sentenças verbais? Muito provável. O sexto sentido nunca falha. Foi através de meus pressentimentos que descobri o dia e a hora exata para se livrar de Romeu.

Hoje. Ao ouvir gritos e socos, pressenti. Portei minha pistola semi-automática e fui de encontro ao barulho que me inquietava há dois anos e meio. Arrombei a porta do apartamento vizinho com facilidade, mirei no crânio de Romeu e disparei sem comiseração. Adeus pandemônio. O último estalo que eu ouviria daquele domicílio seria justamente o do calibre de minha pistola se mesclando com a velocidade de minha bala. Acabou. Finalmente. Silvana balbuciou e correu. Nunca vi nada igual, parecia uma velocista. Calmo, eu fui até o ponto de ônibus com a finalidade de alcançá-la. Pela janela do veículo eu sentia o desespero de Silvana. De certo ela pensava o pior. No entanto, eu não gasto uma só bala com mulheres submissas. O ônibus estacionou defronte a biblioteca pública, caminhei lentamente até Silvana que passou a se ajoelhar no chão úmido, encostando sutilmente sua cabeça na mesma parede que sustentava seu leve corpo. Eu me agacho, ela me fita os olhos, eu a beijo, sinto os seus lábios frios de pavor e a mato com uma jogada de mestre. Um simples aperto com meu polegar direito sobre a garganta de Silvana foi o suficiente para tirar o seu ar que já se dividia com minha saliva.

Voltei para casa mais aliviado. Sentei em minha poltrona, liguei o televisor e sintonizei um canal qualquer de filmes. Sabendo que escorado em uma das paredes do prédio da biblioteca pública havia um corpo com minhas digitais. E que no apartamento ao lado, um outro corpo com uma bala procedente de minha pistola, jaz sobre o assoalho. Restava esperar pela polícia. Com o controle do televisor na mão direita e uma xícara de café na esquerda eu pensava: “Que saudade dos amigos da prisão, já não os vejo há dois anos e meio...”