Coluna do Luan

segunda-feira, 30 de março de 2009

O balanço

Ela tomava impulso e em seguida deixava o balanço correr contra o tempo. Sentada naquele pequeno pedaço de madeira pintada de amarelo, e sustentada por duas correntes brancas, uma de cada lado do balanço, ela simplesmente vivia. O momento era de repulso emocional. Brincava de não fazer nada com a mente. Brincava de saber voar...
Um rapaz mirou profundamente seus olhos. Pegou sua mão, desceu até a ponta de um dos dedos... ele estava ao seu lado, se balouçava na mesma velocidade. Ele diz “te amo...”
E ela emite silêncio ao sabor do clima. Reconsidera:
- Mas eu não estou pronta para amar...
- E para amar a mim, você está pronta? – indaga o jovem pretendente.
- Talvez eu esteja pronta para sofrer...
- Faz parte do risco.
Ela para o balanço e vai embora. Atravessa a rua, embarca em um ônibus para a cidade vizinha. Ele continua sentado, deixava o balanço recuar por conta própria... Parecia que o raciocínio agia de acordo com o passar dos carros, na avenida ao lado. Todos partiam para algum lugar... mas onde? Era sua vez.
O ônibus da menina que, há poucos minutos se embalançava ao seu lado, começava a seguir seu itinerário. Ao engatar a segunda marcha, o motorista percebe um corpo embaixo do veículo. Havia sangue junto ao pneu traseiro.
Era ele, pelo retrovisor o motorista vira uma tentativa de vitória de um homem que amava, mas se deixou levar pela dúvida...

Pobre homem... se foi por amor... e por co-existência... Noutro dia, porém, ele voltaria ao balançar da vida. Pois acordaria deste tão breve pesadelo. Acordaria?

terça-feira, 10 de março de 2009

A vista



- Que belo lugar para uma bela mulher.
- Boa. Tenta outra.

1 minuto depois:

- Que excelente vista para uma afável donzela.
- Não, não... vamos lá. Você pode ser mais convincente... Alterne o tom da voz, oscile o ritmo das palavras. Eu acredito no seu potencial.

2 minutos mais tarde:

- Que lugar do caralho! Só tem muié gostosa aqui! Comé teu nome gatiinhá?
- Não apele, por favor. Eu desisto, você não sabe abordar uma mulher.

Ele pensa por um segundo e indaga:

- Pois então como você queria que eu a abordasse?
- Apenas sendo você mesmo. Por que vocês homens tem de chegar cantando-nos como fossemos prostituas de luxo, ou aquelas de beira de estrada? Não espero nada além da naturalidade e da sinceridade. Não tente ser o que não é.
- Me dê mais uma chance?

Ela aprecie a vista, fecha as pálpebras e sente a brisa tocar sua pele. Responde:

- Eu até poderia, mas não seria justo.
- Não seria...?
- Em nenhum momento você foi verdadeiro comigo, nem agora, nem há dois meses quando nos encontramos pela primeira vez neste mesmo lugar. Por que você seria verdadeiro neste momento?
- Eu não sei, eu realmente não sei...
- Você ao menos sabe quem é?
- Sim. Roger Pereira Andrade. 22 anos. Estudante de cinema, apaixonado por mulheres.
- Senti uma ponta de verdade nesta resposta. Mas não perguntei sua identidade nem o que faz. Perguntei se você sabe quem você é.
- Creio que a donzela esteja confundindo meus pensamentos...
- Creio que o cavalheiro não pense nada além do que faz e pensa fazer.
- Estou cansando disso. Aonde quer chegar?
- Quero chegar onde você está, a lugar algum.
- Tudo bem, você ganhou... Mas me diga, que você é?
- Um mero acaso.
- Como?
- Somos matérias, Roger.
- Você não pode ser uma mulher.
- Não seja ridículo. Você está dando em cima de mim há meses, com as mesmas cantadas sem graça. Sem inteligência, sem autenticidade. O que você quer que eu pense?
- Eu não sei...
- Você tem razão, eu não sou uma mulher... Para você talvez eu seja um objeto.
- Isso não é verdade!
- A maneira como você me olha não é um reflexo da sua testosterona?
- Talvez. Mas não podemos fugir disso.
- Ah, é?
- Somos animais.
- Que tipo de animais?
- Aqueles que se apaixonam, que amam, que erram, que não pensam em nada que não esteja ligado aos nossos movimentos terrestres.
- Você é estudante de cinema, não é?
- É o que diz na minha matrícula.
- Então grave esta cena...

Eles se beijam.

- Você é louca.
- Não, somos animais.

O mundo parece parar naquele exato instante. Os dois apreciam a vista daquele lugar alto, distante de tudo. Lá embaixo há um planeta em funcionamento... Ela toca no assunto.

- Lá embaixo as pessoas não darão chance para você.
- Então prefiro ficar aqui em cima.
- Dentro de certa irracionalidade, é uma ótima escolha. No entanto, não sobreviveríamos por muito tempo. É perfeito demais para dar certo.

Os dois saem de mãos dadas e voltam para a urbanização. Descem a montanha, deixam a vista para trás, e quando chegam ao solo da cidade desabotoam as mãos e afastam os lábios. Ela se despede:

- Compreende que o que aconteceu lá em cima foi um mero acaso, não é?
- Sim. O justo é não termos chances.
- Temos a chance de viver e mudar a concepção disso.
- Você não pode ser daqui...
- Nenhum de nós pertence a este lugar...
- Adeus...
- Adeus.