Coluna do Luan

sexta-feira, 25 de abril de 2008

Pressentimentos

Creio que as vezes as pessoas tiram proveito de minha aparência, ou de meus trejeitos, para precipitar-se em suas conclusões. Eu noto isso no olhar. Convivo com dezenas de pessoas todos os dias e posso arriscar: pelo jeito que cada uma me olha, consigo presumir seus pensamentos. Não sou nenhum vidente, para-normal ou qualquer outro rótulo pluralista. Defino-me como ‘sensitivo’. Possuo uma sensibilidade aguçada desde criança. Eu sinto quando estou em perigo, sinto quando alguém próximo a mim não tem muito tempo de vida, sinto quando alguém discorda mentalmente do que eu falo. Em outras palavras não saberei explicar. Tudo que eu sei é que sinto. Houve um caso, em minha cidade, onde eu caminhava lentamente em frente a uma livraria, neste exato instante meu cérebro emitiu um alerta ao meu sistema nervoso. Minhas mãos gelaram e meu coração disparou em questões de segundos. Acelerei o passo e sai rapidamente da frente daquele estabelecimento. Cheguei em casa sem entender o porquê de tais sintomas. No dia seguinte, li uma nota no jornal dizendo que aquela livraria fora assaltada 15 minutos depois de meu trajeto.

Há um acontecimento ainda mais marcante que envolve minha ex-namorada. Ela havia ido a um evento ligado a um grupo de comunicação aqui do Rio Grande do Sul. Este evento ocorre todo verão e inúmeras bandas regionais e nacionais participam. Ela tinha comprado o passaporte para as duas noites, e eu tinha apenas o ingresso da última noite de shows. Combinamos que ela iria com um grupo de amigas – supostamente confiantes – na sexta e eu e ela iríamos juntos no sábado. Ao chegar ao apartamento dela, por volta das três da tarde, dia seguinte a primeira noitada, eu já descobri que ela havia me traído sem que ela precisasse confessar. Toquei a campainha, ela tomava conhecimento de que fosse eu, abriu a porta e mostrou seu rosto com um sorriso culposo, eu senti. Naquele baque eu pensei: “ela me traiu”. Foi rápido e involuntário. No final das contas até que ela disfarçou bem, mas não adiantou. No fundo eu sentia que havia uma omissão entre nós. Nesta mesma tarde, falei para ela sobre a confiança de um relacionamento. Usei a metáfora do cristal que copiei de um poeta francês para exemplificar: “Minha confiança por ti é como uma bola de cristal, uma vez quebrada, sempre faltará um pedaço para reconstituí-la, sempre”. Ela arregalou os olhos, suspirou e disse: “Já sei, você acha que eu lhe traí”. Aleguei que não. Justifiquei dizendo que eu sabia que ela jamais faria isso. (Eu a provoquei). Na segunda noite desse evento eu pude confirmar meu pressentimento. Ela mal me tocou, mal me beijou, não queria andar de mãos dadas comigo. Estava muito estranha. Vi que nosso relacionamento não iria muito longe. Dias mais tarde ela me contaria tudo às lágrimas dizendo estar arrependida. Ela lembrou do cristal quebrado e entrou em desespero. Ao mesmo tempo que não queria me perder, vivia afirmando que eu era muito bom para ela, que ela não me merecia, não merecia meu amor. Somente semanas mais tarde, por vários outros motivos, eu descobri que isso era verdade. Esta lembrança me deixa feridas até hoje.

Posso passar horas citando episódios de meus pressentimentos. Vou contar sobre o do engarrafamento. Para alguns isso é absolutamente comum. Até integra a rotina de muitos nas grandes cidades. Porém, não foi como o congestionamento em que senti minha morte. Foi um dos dias que mais fiquei aflito e não sabia o porquê. O fato ocorreu na entrada de Porto Alegre, na avenida Castelo Branco. Estava no carro meus pais, eu e meu segundo irmão mais velho. Naquele dia eu sentava no banco traseiro, atrás do motorista (meu pai), mas eu sempre sento atrás do banco do caroneiro (minha mãe). Gosto de ter a visão do velocímetro e dos atos do meu pai na direção. Não que eu o monitore, é mais para aprender, meu pai tem 35 anos de habilitação. Contudo, naquele dia, no momento do engarrafamento eu estava atrás do meu pai e com o coração saindo pela boca. Uma aflição tomava conta de todo o meu corpo na medida em que os minutos passavam. O congestionamento durou mais de uma hora, isso foi uma verdadeira tortura. Passamos por uns oito automóveis batidos, fora um engavetamento. Horas depois eu assisti no noticiário local que todos os veículos acidentados naquele congestionamento eram movidos a gás (GNV). Uma pequena explosão em qualquer um daqueles automóveis provocaria uma tragédia sem tamanho. Seria um aglomerado de fogo, por quilômetros.

Também possuo outros dons, consigo descrever personalidades de pessoas que pouco convivo. Já fiz isso com uma colega e ela se surpreendeu. Vivo descobrindo o lado comportamental de colegas e amigos, para muitos não conto. Isso me faz mal. Sentir como o outro é gera uma angústia. Entretanto, não posso controlar, eu vejo e sinto.

Ontem, por exemplo, senti que estava sendo julgado indevidamente. Só porque tenho atitudes momentâneas. Só porque não apresento resultados esperados. Isso é motivo para descrença? Tenho que lembra-los que nasci ser humano. Esse julgamento alheio me chateia profundamente. O pior de tudo é que os incomodados não falam diretamente comigo. Gosto de conversa cara-a-cara, olho-a-olho. Diálogos francos.

Ontem, ao entrar na van que me transporta até em casa, tornei-me pensativo. O que será que eu fiz? Devo mudar meu jeito de ser para agradar terceiros? Lamento, minha essência não permite. Queria provar meus princípios. Se metade das pessoas que me julgam me conhecessem realmente, voltariam atrás. Não falo por mim. Pergunte a quem me conhece de verdade, pergunte a quem convive comigo ou a quem tem minha companhia há décadas. Nunca derrubei ninguém para conquistar meus objetivos; pelo contrário, sempre fiz questão de “promoções coletivas”. Em hipótese alguma prejudicaria qualquer ser por intenção. Sinto uma angustia por pressentir isso. Talvez o tempo revele qual o verdadeiro caráter de um indivíduo. Entretanto, no atual presente, o tempo me coloca como um mero plebeu. É justo, ao passo que arbitrário.