Coluna do Luan

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Sexo neoliberal

Morder, molestar, beliscar a pele; sussurrar ao pé do ouvido; gritar, gemer, revirar os olhos; fechar pálpebras, abrir pálpebras, mascarar-se com expressões de prazer; deixar a boca aberta, sentir os lábios (sejam quais forem) sendo sugados pela língua; apanhar, bater, suspirar, arrepiar-se e gozar. O sexo proporciona, na criatura humana, um turbilhão de sentidos, sensações, palpitações. No ato, a mente pode voar, ou não. Mas quando voa... Tende a se libertar de todas as convenções sociais; o sujeito se rende à essência de animal. No lugar dos uivos (sinceros), palavrões, ou palavras doces. O ritmo, a freqüência, a dose quase que homeopática do ritual animalesco segue a ordem da natureza de cada homem, de cada mulher.

Não é difícil imaginar atos primitivos como certa espécie de fuga. Afinal, nós, sacerdotes da sociedade da indústria, assumimos, em inúmeras ocasiões da vida, um valor venal. Tornamo-nos produtos para outros produtos. São embalagens distintas, porém encapsulam a mesma sacola, o mesmo cesto. Então, ao enxergamos quatro paredes, nos revelamos semi-completos. A matemática é simples: No cotidiano, criamo-nos mediante as situações impostas. Portanto, nos revelamos a título personal o equivalente a 1/3. No sexo, na intimidade, ou em qualquer outro momento que nos julgamos à vontade, mostramo-nos em 2/3. O olhar observador, embora apaixonante, sedutor, excitante, amigável, não permitirá que sejamos 3/3 do que somos, a não ser que estejamos sozinhos, entre as iguais quatro paredes.

Penso que o sexo, ao passo que ritualiza emoções, signos e linguagens, nos confunde para a nossa liberdade conceitual. Quando há sexo desprendido, ou seja, casual, aceitamos a verdade de raiz humana, mas preferimos acreditar que não somos assim. Preferimos crer nas nossas capacidades intelectuais, nas nossas habilidades econômicas, industriais, sociais. Por ora, preferimos alimentar o ego por saber do quão longe podemos ir construindo valores e abrindo o peito para a consciência personalizada.

O sexo é a nossa única arma, é o nosso conflito interno. O hedonismo da carne, quiçá, seja a nossa chave de reflexão. O que somos e (por) para quê (quem) fazemos? Avaliar o sexo como possibilidade de reprodução é superficial. Nossos sensores naturais não estão entregues ao mero acaso. Nossos sensores existem para nos dar vida.

Para os intelectuais da casa, peço que não vejam o presente texto como fomento a banalização da casca, do sabor multisensorial da pele. E sim como uma alternativa que prova a nossa potencialidade, a nossa pobreza e riqueza de espírito.

O sexo já está por demais banalizado. Está, praticamente, livre de valores e posturas pré-fabricadas. Vê-lo apenas como pornográfico e erótico é refutar toda a poesia que a união dos corpos tem o desejo de proporcionar. O que ocorre é que, em alguns versos, em algumas estrofes, os adjetivos se intimidam... Deixam-se devorar pela impulsão. Logo, são apenas carnes. Logo, há a necessidade de um espelho. Logo, o sexo neoliberal se torna passivo e não ativo. É refén da sua própria arma. É inalado pela síndrome de Estocolmo carnal.

A semântica concluinte pregada é direta: se existe sêmen que jorram de pênis e atingem órgãos da virilha à cabeça, existe, em cada gota desta conduta, o nascimento de um pingo de reflexão do homem. Ele (o pingo branco, se saudável) pode ser desperdiçado, espalhado pela língua e pelo corpo, mas se aproveitado semioticamente, nos libertará para a nossa realidade filosófica.

Uma vez libertados, aceitamos nossa ignorância pela porta principal, e abrimos a mente ao próximo passo da evolução humana.