Coluna do Luan

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Sinceridade de um mundo real

Com a testa crispada de suor ele jurou casar-se com Madalena. Uma mulher de 26 anos, cabelos escuros, voluptuosa, e inteligente. Madalena tinha ideologias extremamente rígidas. Ela dizia, por exemplo, que o nazismo deveria ser aplicado aos políticos corruptos, como se eles (os políticos) fossem judeus. Defendia a ditadura de Pinochet, e ainda afirmava com grande veemência que queria ter participado do golpe militar. Madalena, de certo ponto, assustava Augusto, com quem também jurou se casar. O matrimônio estava marcado para meados de setembro, o mês preferido de Madalena. Porém, o casamento não aconteceu. E o motivo é dilacerante.

Nas férias de julho, eles resolveram viajar para Europa. Visitar países até então considerados fascinantes. Mas ao chegar a Amsterdã, na Holanda, Madalena se recusou a passar mais de um dia. Falava que Amsterdã era uma cidade sem lei, onde o sexo e as drogas eram tão corriqueiros quanto beber água e tomar banho. Resolveram ir a Paris, mas Madalena se recusou a passar mais de dois dias. Argumentou que a Torre Eiffel aparentava ser mais bonita pela televisão, e ainda criticou a comida francesa, dizendo que preferiria à moda espanhola. Então os dois foram até a Espanha, mas Madalena se negou a passar mais de três dias em Madri. Alegou que os espanhóis são arrogantes e ultrapassados. Vivem na idade contemporânea. E alem de tudo, possuem um mau gosto tremendo quanto a vestimenta. Resultado: voltaram ao Brasil uma semana depois.

Ao chegarem ao aeroporto, Madalena, sem hesitar diz:
- Te amo.
Augusto não sabia o que falar. Um homem de 32 anos, bilíngüe, culto, bem sucedido, parecia ter perdido as palavras. Madalena olhou-o atentamente e indagou:
- Tu não vais dizer nada?
Ele pensa mais um pouco antes de falar alguma besteira. Ela começa a ficar nervosa:
- Tu não me amas? É isso?
Ele toma a palavra:
- O que tu achas?
- Não sei mais o que achar. Passaste a semana inteira emburrado comigo.
- Pois é...por que será?
- Sinceramente?
- Por favor.
- Eu não sei!
- Não precisa gritar, estamos no aeroporto.
- E daí? Tu achas que os casais não discutem nos aeroportos?
- Tu não precisas ser barraqueira.
- O que? Chamaste-me de barraqueira?
- Até que provem o contrário...
- Não fale mais comigo! Seu grosso!

Augusto e Madalena entram no táxi, mudos. Chegaram ao condomínio, mudos. Ao entrar no apartamento Madalena pegou suas coisas, arrumou sua mala e soltou a frase que estava entalada na sua garganta há meses:
- Sabe de uma coisa, Augusto? Eu não te amo. Sou uma mentirosa. Uma cachorra. Que te traiu durante todo nosso relacionamento.
- Agora me conte uma novidade.
- Como é? Tu sabias que eu lhe traía?
- Minha querida, até o carteiro sabia...Tu deverias ser mais discreta.
Madalena fica pasma:
- Mas porque nunca me falou nada?
- Não tinha por que falar.Tu sempre me deste o que eu quis.
- Como assim?
- Tu sabes do que estou falando...
- Tu estás dizendo que ficou comigo só por sexo.
- Tenho que admitir, nisso tu é mestra.
- Seu cachorro!
- Minha cadela!
- Eu não sou sua cadela! Não me chame assim!
- Sabe o que eu acho mais engraçado em ti, Madalena? Tu reclamaste da Torre Eiffel, falaste mal dos espanhóis, e o melhor: Odiou Amsterdã.
- E qual o problema? Sou uma mulher de princípios!
- Sei...princípios...
- O que estás insinuando?
- Eu? Nada. Só acho ridículo falares de princípios, quando seu passado lhe condena.
- Meu passado me condena?
- Ah...entendi...tenho que esquecer que te conheci quando ainda era uma garota de programa?
- Não vejo problema nisso, meu bem. Era um trabalho honesto.

Augusto vai até a copa, enche um copo com uísque, toma um gole e grita:
- Tudo bem...vamos ser sinceros então!

Madalena, revoltada, vai até Augusto e replica:
- Achei que teu joguinho já tivesse terminado.
Ele sorri:
- O jogo apenas começou...

Com uma troca de olhares, abruptamente ambos ficam nus, se deitam na mesa da copa, e alimentam seus desejos aflorados.

Após o ato, Augusto confessa:
- Eu também não te amo, e lhe traí durante todo nosso relacionamento.

Ela calma, responde:
- É, eu sei...

Mesmo com as confissões, tudo parecia normal. O casamento foi remarcado para janeiro, mas em dezembro eles fariam uma viagem para África. Até lá Madalena continuava com suas ideologias rígidas. Ela se relacionava por dinheiro, e ele por sexo. Sem amor, eram felizes. E acima de tudo, sinceros.

27 comentários:

Kamilla Barcelos disse...

Eu achava q sinceridade não fosse tão volúvel assim! Mas ao ler o su post me fez refletir q possa existir diversas sinceridades, mesmo as pessoas não possuindo escrupulos elas ainda possam tê-la!!

Mesmo q não seja a sinceridade q eu prezo!! hauahuah

Carmim disse...

Essa história me fez pensar que quando não se tem nada, ou não se espera nada além de... não se perde nada também!
Cada pessoa estabelece as suas próprias regras de relacionamento, e quando elas são aceites por ambos, nada contra!
Como diz a frase "cada um sabe de si"...

Beijos.

Kari disse...

Caramba.
Sempre achei que a sinceridade deve estar acima de tudo e é uma das principais coisas em um relacionamento, junto com o respeito.
Mas nunca havia pensando na sinceridade dessa forma, assim tão "sincera". Mas quer saber? Acho que tá valendo...

Beijão

Menina da Imprensa disse...

A sinceridade realmente não esconde de ninguém que pode ter um gosto bem amargo...
Sua visita me fez abrir um sorriso, thanks e volte sempre!

Teresa disse...

eles são é dois malucos hehehe

malucos sinceros, é verdade, mas malucos...

mas sabe... tem casal que só se dá bem assim, depois de uma boa briga.

=*

Pripa Pontes disse...

eis que a sinderidade fala mas que o amor...ótimo post, surpreendente como os outros que vc escrevou e que já lí, e com certeza nos deixa uma intrigante reflexão, será que só o amor pode unir duas pessoas?
e até que ponto vai a hipocrisia...no fim parece que a sinceridade salva tudo.

brilhante post.


Bjos.

Anônimo disse...

Aaah, eu ainda acho que sinceridade é uma das melhores qualidades que uma pessoa pode ter. Jogo limpo, verdade acima de tudo, sem ilusões ou futuras cobranças.
Volto em breve mas continuo passando nos blogs dos amigos! :)

Beijos

Mila Cardozo disse...

Carambaaaaa
Que história hein!!! Uau...
Adorei a abordagem do tema... eu nem sonharia com o desfecho... não mesmo!!!!
Sensacional!!!!
Beijos Mila

hotspot_fortaleza disse...

legal seu blog





http://hotspotfortaleza.blogspot.com/

Michele Saraiva Carilo disse...

Oi Luan, suas botas atiradas são sempre benvindas! Adicionei teu endereço aos favoritos...pois é assim que vejo o teu blog.
Até, Beijos

Jac C. disse...

Menino... fiquei perdida em meio a tanta coisa boa.
Logo vi... estudante de jornalismo.
Interessante seu espaço, mas posso deixar-lhe uma sugestão: ativa sua janela pop-out.
Gosto de comentar interagindo com o que vejo e leio.
Que tal?
Bom fim de semana e obrigada pela visita ao "Asas".

Flávia disse...

Nelson Rodrigues total.

Mas vida é assim - um enredo rodrigueano surpreendente constante, não?

Beijos!

Anônimo disse...

Por favor!
Ajuda a que se faça Justiça a Flávia. Se és um ser com sentimentos, ajuda!
Eu jamais invadirei teu blogue, garanto! Mas ajuda.
Repara bem: eu, tu, seja quem for, tem nosso pai, nossa mãe, nosso irmão ou irmã, ao longo de 10 anos em coma, que vida será a nossa?
Se não tivermos a solidariedade de alguém com sentimentos, que será de nós?

TEMPO SEM VENTO

Ah, maldito! Tempo,
Que me vais matando,
Com o tempo.
A mim, que não me vendi.
Se fosses como o vento,
Que vai passando,
Mas vendo,
Mostrava-te o que já vi.

Mas tu não queres ver,
Eu sei!
Contudo, vais ferindo
E remoendo,
Como quem sabe morder,
Mas ainda não acabei
Nem de ti estou fugindo,
Atrás dos que vão correndo.

Se é isso que tu queres,
Ir matando,
Escondendo e abafando,
Não fazendo como o vento:
Poder fazer e não veres
Aqueles que vais levando,
Mas a mim? Nem com o tempo!

David Santos

Lais Camargo disse...

de novo a música casou com o texto!
falando em casamento neh.

imaginei onze minutos (do paulo coelho)
as pessoas dizem q se regeneraram mas na verdade se escondem nos moldes sociais e continuam agindo numa bruta mentira pra si mesmos...

sopros de luz!
=**

BABI SOLER disse...

e haja sinceridade.
eu acho que não conseguiria, mas tudo é possível.

adorei seu blog.

Simone Ormelezzi Chersone disse...

Ai Luan...essa comédia da vida privada! me traz algumas lembranças e muita identificação.


A verdade é um ponto de vista! a vista de quem a conta né? as cicatrizes de algumas inverdades me deixou com nojo das mentiras.

Amei demais... Mesmo!!! Ah!!! vou ver se arranja um abajur de Alice.
Mas, já te garanto que andas em muito iluminado.

A tua escrita é de outrora!
Bjs e se cuida

Gabriela Gomes disse...

E enquanto a minha personagem faz amor, por aqui rola sexo. ;)
Adorei a educação dos dois discutindo. Educados a moda da vida.

Um bjo.

Anônimo disse...

tu tens um quê de Machado de Assis sabia?

=]

parabéns!!!!

bjoks

Anne disse...

Concordo com Flavinha...e como adoro o estilo do Nelson Rodrigues, adorei esse post! Sinceridade demais é fogo, mas pelo menos temos a clareza de onde estamos pisando e fazemos escolhas claras...

Adorei! Bjos, Luan

Anônimo disse...

Luan meu querido não faça mais textos assim (risos), vc ACABOU com a minha ilusão de que o amor é lindo e a sinceridade não tão cruel. Adoro sua maneira de lidar com esse tipo de assunto, me impressiona cada vez mais e se não fosse bom pode ter certeza que com toda SINCERIDADE do mundo te falaria.

Beijooss !!!

Rui Caetano disse...

Mas que grande história, dar a alguém sem esperar é o lema de uma vida de servir os outros e a nós mesmos.

Katarine Rosalem disse...

Surpreendente e ao mesmo tempo real, verdadeiro. E cada um saciando sua vontade, sendo sincero à sua maneira.

Mto bom! Tenha uma boa semana!!!

By Ana D disse...

O importante é que ambos saibam as regras...rs...Q primor de texto ! Prifissa rsrs

Anônimo disse...

Luan, estou de volta!
Mudei a url do meu blog, vai ter que mudar os links...

Beijos

PS: Adorei a frase da semana.

Déborah Capel disse...

É estranho e meio que sincero saber que no mundo há realmente casais como esse.

Quaaanta sinceridade.

Ah, sou nova por aqui. ;*

Cláudia I, Vetter disse...

E por quê não?

Cansados de contuidade conservadora, corrupta, falha, insesível...

Boa forma de representar Luan! ;)

Bom findi.

;*******

Marcos Seiter disse...

Bah,
Aprendi que a sinceridade está valendo em todos momentos. O difícil, creio eu, é saber quem é sincero e aonde há sinceridade nisso. Mas neste relato de Augusto e Madalena: sejam felizes, pois há sinceridade. Mesmo que deste jeito.

Um abraço e bom finde!!!


Marcos Ster