Coluna do Luan

terça-feira, 20 de maio de 2008

Lucielem Mccartney

Então foi assim, sorri em frente a janela até você aparecer. Conquistei minhas esperanças perdidas, rezei pelo dia nublado e preparei o jantar a luz de velas. Talvez você tenha notado minha perspicácia platônica. Assim como as faces duras de um sabonete percebem a sujeira de espírito. Notei minha imundice ao caminhar ao teu lado, ao luar da madrugada. Um fenômeno quase que comum nos casais românticos e modernos. A diferença é que eu leio Borges e você Bioy Casares. Diferença? Ah sim, esqueci por um instante que a igualdade de conceitos e culturas no mundo hipócrita faz-se um status. A todo momento temos que ser idênticos, senão melhores. Foi pensando nisso que liguei para você, pedi para buscar-me às nove e depois gosaríamos. Mas separadamente. Você numa cama, eu noutra. Você com outra parceira, eu com outro parceiro. Ou vice-versa. Também podemos variar as opções sexuais. Podemos, até, ser racionais. Tudo é possível. Trajei o vestido mais lindo a sua espera, lembrei-me das palavras de minha mãe. Não sei o porquê, mas recordei do dia em que ela me disse que sou uma mulher de verdade. Eu havia sentido o sangue escorrer por entre minhas pernas, e aquilo me fez mulher. Isso é universal? Ser mulher é menstruar? Ficar às vezes inchada, dolorida, com humor teoricamente variável, sensível (somente naquele momento). Ser mulher é ter sintomas? Quem foi o maníaco machista que sentenciou isso? A última vez que saímos juntos você fez questão de provar que é capaz de reproduzir, e eu apazigüei-me. Ri. Homens... sexo... mulheres... livros. Ou então: Homens, mulheres, livros e sexo. Ou ainda: Livros e sexo, homens e mulheres. Qual é a ligação? Ponderai-me senhor. Ponderai-me. As raízes menstruais nesse momento me atordoa ao passo que me satisfaz. Ó senhor, perdoai-me pela tragédia, pelo encanto, pela mentira. Perdoai-me por gostar de ler, por ser sensível e transar recitando poemas e não gemer. Sou um animal fêmea, senhor. Sou como um pássaro, um beija-flor, uma borboleta sem asas, esperando incontavelmente pelo o que é certo, pelo o que é errado. A dúvida pertence sim aos sábios. Punir-me, senhor. A mim e a todos os outros que falam o que pensam, que comem o que desejam, que fazem o que omitem. Meu nome, senhor, é Lucielem Mccartney. E prometo ser mais solitária do que pareço ser. Só não me confunda com minha irmã, Elisabeth Mccartney, foi ela quem roubou meu coração ao levar o homem que eu esperava para jantar. Pensando bem... Foi melhor mesmo. Não preciso desse tipo de coração para viver, tampouco para amar.

6 comentários:

Thaís SBA disse...

Vc escreve coisas de impacto. Vc escreve divinamente e estou me viciando nas suas palavras huahhusha!!!

Luan...o youtube apagou meu vídeo. Viva a liberdade de expressão. infelizmente teremos que esperar para colocá-lo aqui.

Mas escrevi sobre o assunto no http://sanatorio-municipal.zip.net. Depois vc dá uma lida.


Bjokas!!!!

.raphael. disse...

Estava lendo, e nào sei por que me veio a mente o Rubem Fonseca, não que o texto pareça com ele, mas talvez pelo conto Lucia McCarteney. Mas o texto é belo cara. Parabéns.

Vou linkar seu blog!
Abraço

Raquel disse...

"Perdoai-me por gostar de ler, por ser sensível e transar recitando poemas e não gemer. Sou um animal fêmea, senhor. Sou como um pássaro, um beija-flor, uma borboleta sem asas, esperando incontavelmente pelo o que é certo, pelo o que é errado. "

Perdoai-me, raça humana, por ter um cérebro, por querer que ele se sacie antes de meus ímpetos carnais. Perdoai-me por buscar o impossível... e por encontrar nos momentos mais simples e fantásticos.

Luan Iglesias disse...

Matou a charada, Raphael! Digamos que Lucia McCarteney seja uma prima distante. E Rubem Fonseca é um mestre. Um abraço.

Marcos Seiter disse...

Bah, irmão, sem palavras para essa belíssima estória.

Abraços!!!



Marcos Seiter

Kari disse...

Que belo conto em...

E como disse Marcos aí em cima, "sem palavras"...

Beijão