Coluna do Luan

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Dona Rosa



Dona Rosa caminha pelo corredor empurrado seu bucólico carrinho de limpeza. Metro a metro, o “cabriolé da higiene” avança às novas convicções da vida. Dona Rosa carrega astúcia na sua passada. As mãos, marcadas pela idade, evidenciam pureza humana e relatam histórias. Neste momento, em que eu a observo, ela exibe uma profunda imagem de reflexão. Está com óculos de grau exposto na ponta do nariz, fixando seu olhar para baixo, provavelmente focando alguma folha de papel amarrotada por alunos que mal conseguem arrumar suas camas no acordar do meio-dia.

De repente tudo para e, ao mesmo tempo, tudo se move.

Dona Rosa, mulher que desperta no raiar do primeiro minuto do nascer do sol para perpetuar mais um capítulo de seu trabalho, tira os óculos. O simples ato me catapulta a outras dimensões. Me pego pensando no pretérito que essa mulher transporta na memória, no corpo e na alma. Agora os óculos guardados dão lugar a um par de luvas verdes, de tecido sintético, que servem de alimento a sua rotina. Era hora de lavar os banheiros do quarto andar do prédio das Ciências da Comunicação da Unisinos.

Fico impressionado com a capacidade que alguns seres humanos possuem de suprimir qualquer espaço físico onde pessoas como Dona Rosa ocupam. É possível contar nos dedos o número de alunos, professores e funcionários que a cumprimentam no decorrer do dia. Ela não é uma desconhecida, ela é a Dona Rosa. É casada. Tem filhos. Ela também é quem limpa os ambientes que frequentamos para trabalhar, estudar ou mesmo para jogar dinheiro fora quando, assim, integramos nossas momentâneas ideologias baratas. Ela é uma das mulheres que transcendem duras e frias camadas acadêmicas e são ignoradas pela visão social. Talvez seu uniforme possa justificar, boçalmente, algum medo que se tenha em dar-lhe um singelo “oi”. Ou, quem sabe, seu crachá possa causar certo espanto quando sua identificação pertence a uma empresa terciária, prestadora de serviços à instituição.

A verdade é que no dia seguinte, notada ou não, Dona Rosa estará caminhando entre nós, empurrando seu “cabriolé da higiene”, sendo ignorada por dezenas, centenas e, por que não, milhares de olhos.

Descobri Dona Rosa há alguns meses. Eu havia disponibilizado fragmentos de minha simpatia expressando um sorriso sincero. Disse “Boa tarde” e, sem seguida, indaguei-a: “Como a senhora tem passado?” Dona Rosa enaltecia felicidade. Seu olhar emitia sentimentos recíprocos. Dias após, eu já era íntimo de Dona Rosa. Descobrira seu nome, sua idade, sua existência. Os poucos minutos que conversávamos no início da tarde nos rendeu uma bela amizade.

Tudo porque passei a enxergá-la.

E eu que observava o mundo, deixei de notar o essencial: a vida.

Triste realidade.

Tristes olhares.

6 comentários:

Vanessa Reis disse...

Lindíssimo!!!! Parabéns!
Tanto pela atitude quanto pelo texto.

Roberto Bemfica disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Roberto Bemfica disse...

Essas pessoas nos passam despercebidas. Muitas vezes nem nos damos conta de que são elas que mantêm tudo em pleno funcionamento. Garis, "tias" da limpeza, seguranças, catadores de papel. Seres humanos completos. Profundos. Vidas repletas de sentimento. É como disse Eliane Brum, em recente palestra na Unisinos: Basta um olhar mais demorado para perceber um segundo mundo, cheio de caminhos desconhecidos e significados. É preciso enxergar além do mero horizonte egocêntrico que nos norteia.

Anônimo disse...

Lindoooo!!! não sei se é história real ou ficção mas sei que gostei e muito! sabe q outro dia recebi um mail falando exatamente de pessoas serem ignoradas por sua posição social?!

esta sua frase - E eu que observava o mundo, deixei de notar o essencial: a vida. - é e foi tudo neste post!

parabéns!!! bjs! Gisele

Kari disse...

Talvez várias pessoas só percebam Dona Rosa, no dia em que derramarem alguma coisa no chão e precisarem que ela limpe. Porque as pessoas são assim.

Lindo demais o que escrevestes, moçinho! Gosto sempre!

Beijos

Fabiana Borges disse...

Luan

tbm faço parte do projeto BLONICAS 2
...vc tem alguma notícia? Escrevi pro Nelson, mas ele não me responde...tinha dito q seria em Maio o lançamento, depois ficou em duvida entre datas...e depois nda!
Pode me informar algo?

abraços.


Fabiana Borges